Sobre Nós ou Quem Somos
Infelizmente não tinha dinheiro para comer um pedaço de pão, nem comprar um analgésico para alguma dor....
Como iria ler um livro, já que não sabia ler e nem escrever?
Apresentação
Nasci em um lar com muitas dificuldades, meu pai analfabeto e sem muita perspectiva de vida, não valorizava o desenvolvimento dos três filhos.
Morávamos numa comunidade carente, mas tínhamos um teto. No entanto, aos seis anos de idade, perdemos nossa casa soterrada num dia de chuva forte, com tudo que tínhamos. Salvamos somente nossas vidas.
Não lembro mais da noite, mas sim do dia, de pé numa casa do morro mais acima da nossa, enrolado em um cobertor de um vizinho. De lá olhei minha casa e tudo que tínhamos soterrado sob lama e barro, recordo-me que, ao tirarem uma boneca ela saiu acinzentada de lama. Assim foi tudo mais, perdemos tudo!
A chuva passando, meu pai e alguns vizinhos, começaram a construir um barraco somente de tábuas no mesmo local. Não havia piso, não havia quartos, nem sala e nem banheiro. Era apenas um barracão como um caixote de tábuas. Ele nos colocou ali dentro e foi embora sem terminá-lo. Ficamos ali com minha mãe desempregada, sem roupas, sem água, sem comida, sem remédios, sem dignidade ou respeito. Uma mulher com três crianças, uma de cinco anos, eu de seis e outra de nove anos de idade. Recebemos a solidariedade de algumas pessoas, não era muito, mas eu me aquecia e me sentia bem de ter uma roupa para vestir, pois sentia frio e fome.
Com o tempo, as complicações vieram, o desemprego de minha mãe foi agravando a situação econômica da família, problemas de saúde de meus irmãos... fui ficando de lado. Comecei a vagar pelas ruas com fome.
Este foi um período crítico para meu desenvolvimento, sem nenhuma perspectiva de participação de minha família na escola, que nesta época eu ainda frequentava. Sofria muito bullying, logo, não interagia. Não me relacionava com os demais colegas, vivia com o corpo ali, mas a mente longe. Com oito anos, ainda sofrendo vários tipos de abusos, saí da escola e passei a vagar com colegas que já eram viciados e com habilidades necessárias para sobrevivência nas ruas, como uso de armas.
Comecei a beber nesta idade. E também a furtar casas, lojas e pequenos comércios. Tudo em busca de comida, roupa e brinquedos! Esses eram nossos furtos, tentando suprir as mais básicas necessidades.
Com nove anos havia conseguido trabalho, pesado para um menino, mas ganhava algum trocado e ajudava em casa. Aos 10 anos, por não aprender como os outros, marginalizado, abandonei a escola.
Além de passar mal, com fome, havia os problemas no barraco, os abusos, o bullying. Difícil descrever aqui como sofri, não só pela situação social e de miséria, mas pela dificuldade intelectual e cognitiva que afetava meu aprendizado. Então pensei em suicídio, várias vezes. Uma criança pode pensar em suicídio com 10 anos? Se procurarmos observar com cuidado, percebemos que, embora não expressem, muitas pensam nesta saída.
Quando cheguei aos 12, mudamos para outra comunidade e saímos do barraco de tábuas. Mas logo fomos despejados por falta de pagamento e mudamos para uma terceira comunidade. Entre essas mudanças minhas relações com crianças e adolescentes foi se estendendo para três comunidades diferentes, agregando amigos que viviam situações semelhantes à minha. Isso ampliava as possibilidades de acesso ao crime, pois andava por vários morros e as ações ilícitas se intensificavam. Alguns dos colegas desta época hoje são mendigos, outros estão presos, um ou outro está inserido na sociedade, porém a maior parte morreu em assaltos, tiroteios ou foram assassinados.
Com 13 para 14 anos mudamos para uma outra comunidade. Essa se tornaria um dos morros mais perigosos de Niterói. E lá estava eu, próximo ao tráfico, ao crime e meus novos amigos. Entrava e saía de escolas, empregos me tiravam parte de minha infância e vida, além de serem sempre situações humilhantes e pesadas. Com 14 anos já estava cansado de sofrer e de tanta miséria. Quando possuía alguma roupa boa ou brinquedo era doado ou roubado, isso não era vida que ninguém possa querer.
Aos 15 anos, já envolvido com a quarta comunidade que morava, ganhei a primeira arma, um revolver que me alucinou. Escondi para pensar o que faria com ele. Logo me veio todo o meu passado, abusos, perdas, sofrimentos e dor. Chorei muito sozinho e veio o pensamento de morte, suicídio mais uma vez. Em seguida pensei em fazer uma lista de nomes para assassinar, isso mesmo, com 13 anos já tinha alguns nomes e com 15 passei a escrevê-los. Inclusive minha família, mãe, pai, irmãs etc. Passados alguns dias, eu chorava copiosamente sozinho, pois não queria isso. Eram mágoas, raivas, rancores e sofrimentos que eu queria apagar para não mais me fazerem sofrer, eu queria paz e alívio, apenas ser um pouco feliz e alegre, tendo o que comer, vestir e brincar.
Nunca abusei de ninguém, mesmo tendo sofrido abusos, nunca tirei a vida de ninguém mesmo muitos me dando motivos para tentar ou desejar tirar.
Então, devolvi a arma ao colega traficante, rasguei a lista de nomes e disse: vou voltar a estudar!
Foi difícil, pois era já alcoólatra, como meu pai, e tinha muitos outros problemas familiares. A comunidade com o clímax da ascensão do tráfico, possuía um poder apelativo muito forte.
Com 15 anos fui para a antiga FEEM-RJ, estudar com vários adolescentes em situação semelhante à minha, e lá fiz amigos de diversas outras comunidades, inclusive rivais do tráfico da comunidade que vivia. Mas também aprendi e fiz novas amizades com outros interesses, e passamos a nos respeitar e ajudar. Quando terminávamos um curso ali oferecido logo éramos encaminhados para o mercado de trabalho. E assim foi!
Com 16 anos tive emprego fixo até os 19, porém, pela jornada dura de trabalho, que era de 8h às 18h, não conseguia estudar.
Somente aos 23 anos voltei a estudar, fui tentando, passei por três escolas públicas e supletivos, mas continuava tentando e assim terminei a educação básica.
Até que finalmente conseguir voltar aos estudos, e nunca mais parei. Em uma década e meia já possuía uma Biblioteca com mais de 5.000 mil livros. E que agora estamos os passando para frente. O texto acima foi parte de nossa apresentação de dissertação de Mestrado.
Me graduei como Licenciado em Filosofia; Pedagogia; Sociologia; História; Além de Bacharel em Teologia e Filosofia. Desisti na Graduação em Direito no terceiro período. Mas consegui concluir a Especialização em Filosofia e Ciência da Religião. Infelizmente não pude concluir a Especialização em História e Ciências Sociais. Entretanto, consegui concluir o Mestrado em Educação, Gestão e Difusão em Biociências.
Sendo assim, após tudo isso, também passamos a escrever artigos, ensaios e literaturas.
Algumas de nossas obras literárias
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E foi assim que nossa vida foi transformada pela Leitura...
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